sexta-feira, 20 de junho de 2014

Alguém da fronteira

A vida inteira me senti na fronteira. Já explico.
Vim pro Brasil muito cedo, com três anos de idade. Nasci no Equador. E lá deixei avós, primos, tios e até cachorrinha. Enfim. Na época mal sabia o que acontecia. Devia ser tudo festa pra mim. Ou não. Não tenho essas lembranças. As primeiras lembranças de quando estive aqui no Brasil foi dos primos brasileiros me enchendo o saco. Seria o primeiro sinal de como seria ao longo da vida minha relação com a família do meu pai. E também os primeiros sinais de que jamais eu iria me sentir de algum lugar. Sempre da fronteira. Pro lado bom e pro mais ou menos. Misturar palavras em espanhol, não ter primos mais chegados por perto, não saber o que é comida de vó nos dias de domingo...É um pouco do estranhamento de não se estar na terra em que se nasceu. Mas ao voltar pra terra natal, as coisas não melhoram. Quando se é pequeno é tudo festa. Lembro de ensinar meus primos equatorianos algumas palavrinhas em português enquanto eles também faziam o mesmo com o espanhol pra mim. E era divertido! Passados uns anos, fomos crescendo e as voltas pra lá cada dias mais raras. A distância aumentando. Me sinto com família lá, muito amada e amável, mas voltar é sempre estranho. Sou a brasileira. Não entendo as piadas internas e por mais que tente, não consigo acompanhar as conversas e não é porque não entenda e não fale espanhol. Mas a convivência e o estranhamento acabam deixando as coisas assim. O abraço é estranho. Digo isso pelos primos. Tias e avós são outros 500. Me sinto em casa. E o mesmo acontece por aqui no Brasil. Não me sinto totalmente brasileira. E me dá raiva de como o Brasil se acha o país da América do Sul. Brasil está de costas pra América do Sul. Aí aqui neste país cresci a vida inteira em Minas Gerais. Moro agora em Curitiba. Me sinto de fronteira novamente. Não sou desta terra. Não entendo muito bem as pessoas daqui. Não gosto. Não é aqui que quero passar meu tempo. E acho que assim, no se ver como de fronteira, que a identidade cresce. É aí que pode-se perceber mais claro o que não se é. A partir do "não ser" é que se começa a ser. No fim, o que sou mesmo é mineira e latinoamericana. Ou como diz Milton: "Sou do mundo, sou Minas Gerais"!

Um comentário:

  1. Olá, Cecília
    Sou do Norte de Portugal (Braga) e, de repente, dei com o seu blog que adorei.
    Seus textos têm alma e brotam uma luz que me inquieta.
    Também tenho um blog sobre as minhas viagens e alguns poemas ... ms pobrezinho que só!
    Parabéns pelas suas palavras que tão bem sabe codificar. Continue.
    meu blog, caso lhe interesse, é: memoriadamicha2011.blogspot.com
    Até sempre.
    Carlos da Gama

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