segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Copo de cólera

As palavras saiam cínicas de sua boca. Não era algo bonito de se ver. Logo ela. Ela que sempre quis bancar de correta bancando a cínica e atraída pela ironia. Não saem, simplesmente, não saem como são. Pra isso elas vão se transmutando, ganhando ares de outras. Aí reside o mistério de sua fala, aí começa sempre a confusão de sua relação amorosa. O não conseguir lidar com a pureza da realidade, ou melhor, não querer falar pra não dar a realidade ao que ainda está perdido em alguma estrada por aí. Ela tá sofrida, sente. Sofrida como um estado físico de origem amplamente emocional. Ela pode ver isso em suas fotos. Chão de areia, mar ao fundo, lugar bonito de se ver, mas a foto é cínica e seu corpo hipócrita. Ela viu tudo ali. Toda a vida de sua mãe passou num gesto seu, num abafamento de fatos, num deixa pra lá, temos que não provocar, ficar quietas. Justamente o que ele mais quer. O incompreendido homem em sua posição confortável de homem, sentado em sua poltrona lendo seu jornal verbalização suas intolerâncias transmutadas por inteligência e engajamento. Homem de grandes mãos que fingem que não sabem a força que têm. Mãos que falam por si só, tacam logo um travessão e se perdem de diálogo, pra logo depois virarem mãos que se vitimizam, mas mãos que, já ajudadas pela língua, humilham, distorcem e dilaceram o ser de quem está ao lado uma vida. Mas as mãos dela sofrem. Nessas crises não há dialética, o instantâneo. E são nesses momentos não dialéticos que as mortes domésticas ocorrem. Ela mataria por ela? Ou na verdade ela está matando pela raiva? Sentir raiva é cansativo e ela leva toda uma vida cansada. As marcas, las Magas somos muitas por trás dessas mãos confortavelmente vivendo sua vida de homem. Somos muitas e voaremos. A vontade dela era ser engolida por um verde que cheirasse à vida. Um verde molhado que poucas vezes sentiu. Como num livro de Raduan Nassar ou numa tarde de uma conversa francamente virtual. Esse verde que muda a vida. Ela se sente muda na vida neste momento. Não quer dar passo algum. A raiva a consome. Raiva de tudo. Quer ficar verdejante só, pra sempre, com ela e quem sabe um broto seu, só isso. Amar não tá pra peixe, talvez nunca estivesse, seus exemplos não são muito contundentes. Vamos logo jogar na conta do machismo que faz sua vítima mais uma vez. Ela é uma porque vai se falar em respeito a la Maga. Só aqui ela se calara. Nada voltará a ser como antes, se é que já houve um antes. Entrar na briga de outra pessoa, mesmo que seja sua pessoa, não vale a pena quando a pessoa já desistiu de si mesma aha muito em prol de um tal amor que na verdade é transmutação de outra coisa. Amor incondicional não é sua praia, ainda bem. Não tem disposição nenhuma pra deixar seus sonhos por outro alguém. Dizem que isso é ser auto centrada. Não, é raiva mesmo, obrigada.

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